Federal Bureau of Investigation

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Subject: Report of the interrogation of Billy Maluco


 U.S Departament of Justice 
Federal Bureau of Investigation 



Transcrição do Depoimento do suspeito conhecido como Billy Maluco dado sob condição ao agente John Carradine na data: 19/04/1938

Agente John Carradine: Posso deixar registrado que você resolveu falar em troca de liberdade e proteção?

Billy Maluco: Sim à vontade, eu somente desejo sair desse maldito hospício.

Agente John Carradine: Tudo há seu tempo, primeiramente me fale sobre você. O que o levou a entrar para a família Salieri.

Billy Maluco: Eu tinha a droga de um empreguinho mixuruca entende? Era borracheiro num posto fora da cidade. Para complementar a renda eu costumava fazer um furto aqui e ali, você sabe, apenas coisas que as pessoas realmente não precisam entende?

Agente John Carradine: Sei... Continue.

Billy Maluco: Uma noite topei com o tal do Angus idiota, realmente um sujeito bem imbecil. Ele me disse que precisava de ajuda com um servicinho. Era algo grande entende? Teríamos que roubar o carro de um figurão, coisa muito boa na época. O trabalho não foi difícil, porém o velho Angus foi derrubado por um leão de chácara imenso com um tiro a queima roupa. Eu consegui fugir e claro e então me encontrei com o cliente.
 
Agente John Carradine: E o cliente seria um membro da família?

Billy Maluco: Exatamente. Um sujeito mal encarado. Pareceu não gostar muito de mim, mas logo descobri que eles fazem essa cara para todos. Risos. Ele me levou para conhecer o Don. Esse cara e de meter medo mesmo tentando ser simpático. Meu bom trabalho foi reconhecido e logo eles me chamariam novamente para mais trabalhos.

Agente John Carradine: Então foi ganhando a confiança da família aos poucos, entendi. Que tipo de trabalho você prestava para a família?

Billy Maluco: Inicialmente eram apenas alguns furtos aqui e acolá. Depois tínhamos que dar pequenas lições em alguns caras.

Agente John Carradine: Lições de que tipo?

Billy Maluco: Nada serio sabe? Apenas assustar alguns caras que se metiam com a filha do Don. Alguns socos e chutes e o sujeito começava a repensar a vida.

Agente John Carradine: Consta aqui na sua ficha assassinatos, o que pode me dizer sobre eles?

Billy Maluco: E ai que a coisa ficou seria. No inicio não me senti a vontade de executar esses serviços, mas se não fizesse eu não estaria aqui agora tendo essa agradável conversa com você. Mandava a gente apagar um figurão aqui outro ali e ate mesmo policiais.

Agente John Carradine: Quem eram seus parceiros?

Billy Maluco: Éramos três entende? O Johnny “Cachorro Doido” era o nosso motorista. Alias um grande motorista. Eu sempre dizia a ele que seu lugar era nas pistas e não ali, mas como eu ele não tinha escolha.

Agente John Carradine: E...

Billy Maluco: Ah sim, Oliver “gorila” era nosso homem forte. Sujeito mais sádico que aquele nunca tinha visto na vida. Eu tinha medo dele, o cara poderia espancar uma mãe ao mesmo tempo em que violenta a filha dela. E foi justamente isso que disseram que ele fez. Por isso ficou um tempo mofando da cela, foi o Don quem tirou ele de lá.

Agente John Carradine: E você era o especialista em cofres e assaltos. Diga-me como um inútil como você se meteu com a “carga”.

Billy Maluco: Não precisa ofender cara. Enfim, uma noite o próprio Don nos chamou para uma missão especial. Haveria um comboio do exercito levando uma carga muito importante e valiosa. Nós deveríamos roubá-la e então entregar a um contato misterioso. Não era um passeio no parque pode crer, mas era uma oportunidade e tanto, o sujeito que queria a carga, oferecia uma grana louca por ela.

Agente John Carradine: E quem era esse contato misterioso?

Billy Maluco: A gente nunca soube, mas eu achava que devia ser algum colecionador rico.

Agente John Carradine: E por que achava isso?

Billy Maluco: pelo conteúdo do pacote sabe? Nada de bebidas ou armas. Era tudo um amontoado de partes de metal ou algo parecido. Havia algo mais também, porém nenhum de nos poderia imaginar o que era naquele momento.

Agente John Carradine: E quais eram os planos para conseguir o material?

Billy Maluco: Uma emboscada. A gente sabia a hora e local exato que o comboio passaria. Não sabíamos ao certo quantos carros seriam e a segurança deles. Então Don enviou o meu grupo e mais outros três. No dia saímos em quatro Schubert Six e fortemente armados. Lembro que pelo menos alguns caras carregavam metralhadoras Tommy. A maioria de nos levava apenas alguns rifles e pistolas. Ah sim, Jean “russo” levou algumas bananas de dinamite para o caso de serem necessários.

Agente John Carradine: E como foi a emboscada?

Billy Maluco: Ficamos dentro dos veículos escondidos na mata ao lado da pista. Pierre deu o sinal da aproximação do comboio. Seria mais fácil do que planejávamos. Com certeza não esperavam um atentado. Militares sempre foram orgulhosos. “Risos”

Eram quatro veículos. Um caminhão e mais três carros pretos, Crusader eu acho. Faziam a segurança do caminhão. Dois caras em cada. Então dei a ordem para interceptar e nossos carros bloquearam o caminho deles na pista. O tiroteio foi pesado, porém, os agentes não tinham poder de fogo para rivalizar com a gente. Tirando o Russo ninguém se feriu. Todos os guardas estavam mortos. O motorista do caminhão e seu ajudante permaneceram vivos até transportarem conosco a carga para um galpão que usávamos para guardar bebida. E depois disso, foram executados.

Agente John Carradine: O que aconteceu depois?

Billy Maluco: Ficou apenas meu pessoal para guardar a carga enquanto o cliente não aparecia para buscar. Ficávamos na casa ao lado do balcão. Durante uma semana esperamos e nada, porém, não poderíamos deixar a carga de lado sem ordem do Don.

Agente John Carradine: E o que houve com o cliente?

Billy Maluco: Não sabíamos e nem tínhamos como saber, pois estávamos incomunicáveis e entediados também. Porém, em uma noite as coisas começaram a mudar e o inferno teve inicio.

Agente John Carradine: O que aconteceu?

Billy Maluco: Apesar de estarmos incomunicáveis tínhamos bebida e comida a vontade. Nessa noite eu tinha acabado de limpar as economias do Johnny, quando esse imbecil, resolveu dar uma aliviada lá fora. Ouvimos os seus gritos algum tempo depois e corremos para ver o que tinha acontecido. O que eu vi naquela noite eu nunca consegui esquecer.

Agente John Carradine: O que houve com ele?

Billy Maluco: Ele... Ele... Por deus! Ele estava completamente destroçado te juro! Encontramos partes dele em diferentes locais, mas estas partes conduziam para o galpão. Oliver, armado com uma pistola, me pediu para esperar enquanto revistava o galpão. Fiquei ali do lado de fora, segurando meu rifle como se toda minha vida dependesse disso. A visão do horror que aconteceu com Johnny me deixou tão chocado que eu rezava em voz baixa para tudo não passar de um pesadelo.

Agente John Carradine: E o que Oliver encontrou no galpão?

Billy Maluco: Depois de algum tempo ele me chamou. Dizia que eu tinha que ver aquilo, era estranho e absurdo demais para ser real. Com muito medo eu fui e quando cheguei, ele me mostrou algo que me arrepiou da cabeça aos pés. Eu nunca imaginei ser possível existir algo como aquilo na face da terra.

Agente John Carradine: E o que era Billy, o que foi que vocês viram lá?

Billy Maluco: A aparência daquela coisa grotesca nunca me deixou sabe? Durante todos esses anos apodrecendo naquele sanatório eu a via em todos os lugares, até mesmo com os olhos fechados.

Agente John Carradine: Mas que merda cara o que diabos vocês viram lá?

Billy Maluco: Parecia um homem pequeno vestindo uma roupa estranha cheia de botões e contadores bizarros. A sua cabeça, por deus, foi a droga da maior cabeça que já vi em toda minha vida. Ele era careca, verde, tinha dois olhos bem grandes e negros. Negros como o vazio da noite. E não tinha nariz, e sua boca também não vi. Eu tomei um baita de um susto tão grande que até me mijei. A criatura apontou o dedo sangrento em direção a gente, ela só tinha dois dedos ou sei la que droga era aquilo. Oliver não segurou a barra e atirou na criatura que em resposta atingiu ele com um tipo de luz.

Agente John Carradine: Luz?

Billy Maluco: Sim uma luz quente! Até mesmo queimou uma parte do meu braço.

Agente John Carradine: E Oliver?

Billy Maluco: Oliver se transformou numa espécie de pasta cinza no chão, fedida e quente. Era tudo tão horrível que não consegui me segurar e corri dali, porém quando sai do deposito, fiquei meio cego com uma luz fortíssima que veio do céu.

Agente John Carradine: Uma luz que veio do céu?

Billy Maluco: Sim cara, do céu! E fazia um ruído estranho, não sei definir, mas não sai da minha cabeça. De repente tudo ficou escuro, eu acho que desmaiei. Acordei com um baita chute no estomago de um policial. Ele me rendeu e acabei vindo parar nesse asilo depois de contar minha historia. Eles dizem que sou louco, mas é verdade cara, é a mais pura verdade!

Agente John Carradine: Entendo. Obrigado pela sua cooperação Billy.

Billy Maluco: E nosso acordo? Eu quero sair daqui cara! 


- FIM DO INTERROGATORIO –




Recomendação do Agente John Carradine sobre o caso:

O depoimento de Billy, apesar de pouco detalhado, traz detalhes bastante importantes em relação ao nosso projeto. Apesar de desacreditado por muitos se solto o acusado pode conseguir convencer algumas pessoas e essas representarem problemas futuros para a integridade da organização. Sugiro reintegração do suspeito aos serviços médicos do sanatório até o fim de sua vida.

Em relação a carga citada acima já sabemos agora o destino do material orgânico. Eles levaram o espécime. Entretanto ainda dispomos do material coletado do óvni abatido. Quanto ao cliente misterioso foi comprovada a participação russa no incidente. O porquê do desaparecimento do mesmo ainda é um mistério.

Don Salieri, que esta cumprindo pena em Alcatraz, nega qualquer envolvimento no caso.

Caso encerrado. 



(Conto escrito pelo leitor José Brito Silva Junior)

Em uma das minhas perambulações pelo universo da internet me deparei com esse curioso caso da pobre Guedes. Em uma cidadezinha do interior, conhecida como Cariré, uma jovem se perdeu e morreu na mata. Alguns turistas e moradores locais afirmavam ouvir os pedidos de socorro espectrais da assombração da donzela. A população evita perambular pela floresta.

Uma noite tive a oportunidade de me encontrar com um velho amigo do meu falecido pai, Seu Joaquim. Pedi para ele me falar mais sobre essa lenda urbana. Apesar de se surpreender com meu interesse repentino não fez pergunta alguma e apenas deixou-se levar pelas lembranças. Então começou a narrar para mim a historia da bela Altamira Guedes, a mulher mais bonita da cidade.
Meu jovem - dizia ele com o seu jeito pausado peculiar – lembro-me de Altamira como se fosse ontem. Aquele jeito alegre, despreocupado e às vezes até mesmo arrogante que encantava meio mundo. Ela não era muito alta, tinha os cabelos pretos sempre presos em um rabo de cavalo. Seus olhos azuis combinados com a beleza do seu sorriso davam a seu rosto uma aura de luz. Seu corpo era de uma formosura tal que poderia acordar o pecado no coração do mais puro ser vivente.

Entretanto, a beleza às vezes pode ser tornar uma horrível maldição. E assim foi quando o bando do velho Ananias chegou à cidade. Diziam as más línguas que eles vinham fugidos da capital. Gente ruim mesmo de coração negro endurecido. Mataram sabem-se lá quantos.
O grupo, na verdade um trio dos piores cabras que puder imaginar, era formado por: Ananias o líder, Feitosa o braço direito e Amâncio o matador de crianças. Desses três, depois de Ananias, Amâncio era sem duvida o pior. Tanto que numa dessas brigas de bar Amâncio mandou Ananias para cova e perseguiu Feitosa pelos matos e somente deus sabe como ele escapou, se ele escapou e claro, mas cá entre nós eu acho que o que resta desse infeliz deve estar apodrecendo em alguma vala na mata. 

Nessa época eu era apenas um ajudante na fazenda do Silva, porém, como todos os jovens da cidade eu tinha um amor tremendo pela linda Altamira, e para minha sorte, ela parecia corresponder meu amor. Não raro eu esquecia a compostura e me via olhando fixamente para ela enquanto a mesma passava com um cesto de roupas para lavar em direção ao rio.
Até mesmo fui à capital e comprei um colar bonito para dar a ela. O desgosto foi terrível quando voltei pra casa, pois descobri que Amâncio a roubou para si e ela parecia tão feliz. Eu fui um tolo. Não conseguia ver a tristeza por trás do sorriso falso que ela levava no rosto toda vez que os via juntos pela cidade. Esse detalhe que vou lhe contar se eu mesmo o soubesse na época com certeza tudo poderia ter sido diferente.
 
Depois que ela morreu, um compadre me disse que na realidade ela tinha sido forçada a ficar com ele depois que o bandido ameaçou a vida de toda a sua família. Mas o que eu poderia ter feito nessa época? Não sei, entretanto meu jovem, a sorte de Amâncio foi traçada na noite em que, voltando de uma bebedeira daquelas, o vagabundo a espancou violentamente e a perseguiu pelas ruas.
Muitos a viram correr pelas ruas à noite implorando por socorro, mas com a reputação do agressor preferiram se fechar em suas casas com medo. Nessa noite, um negrinho amigo nosso veio bater na minha porta desesperado. Contou-me que viu Altamira correndo pela rua em pânico e machucada com o maldito diabo atrás dela segurando uma peixeira. Morto de bêbado o traste ruim.

Depois de o que o rapazinho tinha para me dizer lhe dei um trocado e fui pegar meu rifle. Corri feito doido pela rua chamando um amigo aqui e outro ali e então em pouco tempo já éramos um grupo bem armado. Agora restava mesmo era saber onde eles tinham se metido. A rua onde ocorreu a confusão estava deserta e silenciosa. Ficamos ali algum tempo matutando sobre o paradeiro da jovem.
Então uma certeza horripilante chicoteou meu espírito. Lembrei-me que aquela rua dava direito pra uma mata fechada e perigosa da região cheia de mito. Falei com o grupo, mas poucos tiveram a coragem de me acompanhar e esses poucos somente vieram para não ficarem com sua reputação de “machos” abalada.
Dentro de pouco tempo chegamos à entrada da floresta. Vendo o medo nos olhos dos companheiros e sabendo que a garota precisaria de mim, impulsionado por algo que somente poderia ser amor, pedi para que ficassem e vigiassem e me meti mata adentro com um profundo pavor como companhia.
Não sei te dizer quanto tempo caminhei naquela mata confusa. Eu tinha a sensação de andar em círculos e já pensava em desistir quando ouvi um grito de socorro, era ela! Um grito, após o outro. O desgraçado havia pegado ela eu tinha certeza. Senti o ódio invadir meu ser e fui com o rifle já preparado em direção ao som. Súbito ouvi outro grito, um grito de horror profundo que eu nunca imaginei que pudesse sair de uma garganta humana.

Foi Amâncio quem gritou. Eu o encontrei numa clareira. Derrubei-o no chão com um golpe de coronha do rifle e então examinei seu rosto sob a luz do luar. Deus, nesse momento a já incomoda sensação de pavor se tornou um medo tão intenso que senti meus joelhos enfraquecendo e minha fé me abandonar. Eu ia desmaiar, pois o que vi ali não poderia ter sido feito por nenhuma mão humana. O estado de seu rosto contorcido, a falta dos olhos...

Então ouvi novamente o pedido de socorro de Altamira, dessa vez, seguido por inúmeros outros ruídos abomináveis. Eram risadas, guinchos, urros, gritos de pavor e outros sons que minha condição humana tornava incapaz de reconhecer ou explicar. No momento seguinte tudo que lembro e de correr mata adentro em direção à saída daquela algazarra dos infernos. Nunca mais voltei aquele maldito local.
O que ocorreu depois me foi apagado da memória por ação divina com certeza. Amigos disseram que me encontraram alucinado pelas ruas, balbuciando coisas ininteligíveis, porém, nada de Altamira. Aquela mata amaldiçoada seria para sempre o seu tumulo.

Alguns dias depois, como ela não aparecia, fizeram uma cruz com o nome dela gravado e colocaram na entrada da mata. Ninguém nunca se atreveu a procurar seu corpo, mas dizem algumas pessoas que por algum motivo desconhecido ela ainda vive na mata e que em horas esquecidas da madrugada podem ouvir seu apelo desesperado por socorro.
Já eu tenho outra teoria. Aquela que pede socorro não é minha Altamira e sim os demônios que a devoraram. Eles sempre estiveram lá desde antes do primeiro ser humano e sempre estarão até devorarem o ultimo ou então deus descer dos céus com seus anjos.

Depois desse incrível conto me despedi do senhor tristonho e fui dormir em meu quarto. Nessa noite sonhei com Guedes e a verdade sobre a floresta maldita. Uma verdade tão terrível que minha mente não foi capaz de guardar e tudo que restou do sonho foram à imagem do semblante triste e choroso da pobre Altamira procurando o caminho de volta para casa, de volta para seu amor.

Conto Criado Por José Brito Silva Junior
Slash no tribunal.


quem sabe, mas a engenhoca é boa

Barbara sempre foi uma aluna dedicada. Quando terminou o ensino médio passou de cara no vestibular para psicologia da UnB com a nota mais alta. Seus quatro anos de estudos foram em completa reclusão, pois levava muito a serio sua formação. Vinda de uma família de doutores não poderia ser diferente. Seu pai um cirurgião de renome e sua mãe uma professora universitária respeitada sempre foram linha dura com a formação da filha. Até que justamente no dia em que ela ingressou na sua pós- graduação eles morreram num acidente de avião. 

Barbara, chocada, assistiu ao enterro dos pais com toda a pompa que mereciam devido aos seus altos cargos. Seus familiares, os quais tinham pouco contato, nem deram muita atenção para ela que assistia a todos os ritos fúnebres inconsolável em um canto. Observava entre lagrimas pessoas de todos os níveis praticarem as mais diferentes formas de expressar dor ou homenagear os mortos. Ficou fascinada pelo teatro humano de saudade sincera e sentimentos falsos pelos dois e resolveu basear sua tese de doutorado no comportamento humano em relação à morte.

Após receber o velho apartamento da família como herança e algum dinheiro para se sustentar, teve inicio suas investigações macabras. Comprava jornais de domingo e buscava nos obituários novos alvos de sua tese, ia a enterros de pessoas de diversas classes sociais e anotava tudo que via em seu caderninho capa preta com um titulo branco singelo na capa, “sobre a vida e a morte”.
Deliciava-se com o espetáculo que era os enterros de famílias mais humildes. Parentes que gritavam desconsolados em favor do morto, filhas que desmaiavam e eram carregadas por terceiros. Algumas esposas que choravam agarradas ao caixão aberto do marido e em seguida se agarravam com amantes em áreas escuras do cemitério. Pessoas que cuspiam no morto, riam, comiam salgados, faziam festas e dançavam. Os enterros mais humildes eram uma encenação completa da comedia humana.
Em contrapartida os enterros da alta sociedade costumavam ser solenidades mais calmas. Alguns parentes mais chegados do defunto faziam discursos em púlpitos para uma platéia chorosa. Familiares que choravam eram retirados do local antes de desmaiarem e na hora do enterro em si o caixão era baixado ate o buraco por uma maquina enquanto viúvas e parentes vestindo roupas caras de luto observavam o discurso de um padre garboso.
Foi em um desses enterros “chiques” que ela viu pela primeira vez a estranha senhora. Para Barbara era apenas mais um parente do advogado bem sucedido que estava sendo enterrado, entretanto, um bizarro detalhe lhe chamou a atenção provocando indizível temor. A senhora parecia flutuar ao lado de dois parentes chorosos, pois a mesma, não parecia ter pernas para se apoiar.

Percebendo o susto na face da garota a senhora a fitou sorridente e, dando as costas para os outros parentes, caminhou em direção a porta do cemitério, porém agora ela possuía pernas por baixo da saia negra que vestia. Barbara permaneceu atônita observando a senhora sumir portão afora até que se deu conta que somente ela havia sobrado ali pois todos os parentes, incluindo o padre tinham ido embora. 

Quando chegou à sua casa tinha a funesta sensação de que aquela senhora não lhe era estranha. Sentindo um terrível mal estar não se entregou as anotações diárias que fazia sobre velórios e sobre a morte. Deitou no sofá, ligou o DVD e a televisão e foi assistir a mais um documentário sobre a morte com cenas reais. Deve ter cochilado um pouco quando foi acordada com um barulho que vinha da cozinha.
Alarmada olhou para a cozinha e a mesma se encontrava com a porta fechada em quietude sepulcral. As luzes da casa estavam todas apagadas e a tela da TV mostrava um corpo decomposto sendo atacado por moscas. Não se lembrava de ter apagado as luzes e levantou para acender a luz da sala. A luz não acendia. Apertou o interruptor mais umas três vezes e nada. Será que tinha faltado a luz? Mas a TV estava ligada.

Novamente o barulho na cozinha, entretanto diferente do barulho anterior. Um barulho como de passos, mas como se quem andasse por la estivesse completamente molhado. Passos molhados e pesados e ela tremeu. Olhou em volta mas estava tudo escuro exceto onde a TV iluminava. No meio do tapete tinha um prato ainda com algumas migalhas do lanche anterior, iria ter que servir.
Com o prato em punho se dirigiu a cozinha cada passo no corredor e a tensão aumentava. Encostou o ouvido na porta e durante algum tempo tentou ouvir o que se passava la dentro e nada. Tudo era completo silencio e se perguntou se não estivera apenas imaginando as coisas. De repente, um baque surdo na porta, como se alguém se jogasse nela derrubou ela de costas no chão. O pavor e o medo eram palpáveis e ela suava da cabeça aos pés. Começou a chorar.
Mesmo com o tremendo impacto do lado de dentro a porta continuou fechada e engatinhando de volta a sala ela resolveu que não teria coragem de abrir ela agora. Enquanto engatinhava ouvia vozes que pareciam vir de todas os lugares ao mesmo tempo, parecia sua mãe gritando por socorro, risos fantasmagóricos, um grito de horror que vinha de um lugar abafado, de dentro da terra talvez. E quando chegou na sala a televisão apagou de repente.
Durante algum tempo ela permaneceu deitada no escuro. A escuridão era completa e ela nada enxergava. Decidiu fechar os olhos e rezar para que fosse apenas um pesadelo. Súbito, uma mão toca em seu ombro, ela abre os olhos e vê a velha do enterro sorridente agachada ao seu lado. Barbara grita.

Ela acorda no chão ao lado do sofá, as luzes continuam acesas e TV ligada porem mostrando apenas o menu do DVD, o filme tinha acabado. Barbara sente o sangue na boca, pois bateu a cara no chão quando rolou do sofá, um belo rostinho vai ficar amanha pensou ela. Sentada com as costas encostadas no sofá, ela limpa com o antebraço o suor do rosto e retira a camisa empapada de suor ficando com os seios nus amostra.
Levanta-se dolorida ainda da queda e vai providenciar uma xícara de café. Por nada nesse mundo quer voltar a dormir hoje à noite e decide dar uma maneirada nos filmes e na pesquisa sobre a morte.

- - - -

No dia seguinte recebeu um email com uma noticia de um grande funeral realizado de um general. Sua promessa da noite anterior de uma vida mais “saudável” foi esquecida quando ela, depois de arrumada com seu melhor vestido de luto, entrou no fusca e foi direto ao local do enterro. O pesadelo e o horror noturno que vivenciou ficaram esquecidos no buraco mais profundo de sua mente, de tudo isso o que restou, foi àquela inconfundível certeza de algo não estava certo.
Com todo o gingado de uma verdadeira merecedora de um Oscar, Barbara conseguiu se passar por um dos convidados e assistir todas as homenagens feitas ao defunto. E tudo seria perfeito se entre os convidados que assistiam emocionados não estivesse la senhora ela que viu no enterro anterior. Sentada entre duas outras ela observava Barbara com um olhar penetrante. Barbara devolveu o olhar com audácia, e por um desses breves momentos que se assemelham a eternidades seu coração pareceu parar.

A senhora não possuía olhos, no lugar dos mesmos, havia apenas dois buracos escuros e profundos e em algum lugar bem la no fundo dos mesmos um pontinho brilhante. Um pontinho que parecia penetrar na alma de Barbara e descobrir todos os seus segredos mais profundamente guardados, segredos esses, que ela própria desconhecia. Não podendo segurar o imenso horror da visão, Barbara deixou escapar um grito bem alto parando toda a celebração e fazendo com que todos os convidados prestassem atenção nela.
Sem graça olhou em volta e percebeu que seu embuste tinha sido descoberto. Olhou para senhora e seus olhos eram dois olhos comuns que a olhavam com vivo interesse. Dois soldados surgiram da multidão e a escoltaram para fora onde foi colocada dentro de um carro da policia. Enquanto o carro se preparava para partir ela olhava para a estranha senhora que a fitava com um meio sorriso doentio. Ela olhava e se perguntava quem diabos era a anciã e decidiu no caminho da delegacia descobrir esse mistério.
Após explicações furadas e repreensões severas por estar em um enterro fechado ao publico, finalmente ela foi liberada para voltar para casa. Foi até a parada de ônibus que ficava em frente à delegacia e pegou um ônibus e retornou ao cemitério para pegar seu carro. O enterro já havia sido realizado e não havia mais ninquem lá com exceção de uma pessoa que parecia conversar sozinha em frente ao tumulo do general.

Entrou no cemitério e resolveu se aproximar furtivamente para ouvir o estranho monologo. A poucos passos da pessoa que conversava com a lapide ela se escondeu atrás de uma arvore e meio sem entender ouviu alguns trechos de uma conversa animada;

“Não se preocupe meu caro nem sempre é assim... ah claro que eu posso ajudar nisso... sim apenas siga em frente.”

O monologo terminou e então Barbara teve um choque ao constatar que era a senhora que tinha visto nos dois enterros, era a sua chance de descobrir quem era ela. Quando pensou em sair do seu esconderijo e interrogar a velinha viu que dois policiais se faziam a ronda ali perto andando entre outros túmulos distantes. Provavelmente, pensou ela, se certificando de que eu não volte mais aqui. Esperou que eles se distanciassem e viu que a velinha tinha sumido entre outras lapides mais distantes.

Baixou o véu de luto do seu chapéu e começou a seguir a senhora que caminhava tranquilamente entre os túmulos conversando sozinha. Por incrível que pareça os guardas do cemitério ignoravam completamente sua estranha presença e conversavam animadamente parados num portão. Quando pensou que estava tudo certo um deles a chamou. Ela se virou tremendo da cabeça aos pés.

Com um aceno de mão o guarda permitiu que ela prosseguisse e voltou a sua conversa animada. Respirando fundo e aliviada Barbara olhou em volta buscando a senhora, porém ela tinha sumido, simplesmente desapareceu sem vestígio algum. Nervosa fingiu que chorava em uma lapide qualquer para não parecer suspeita e voltou para o carro dando um aceno de despedida para os guardas encostados no portão do cemitério.

Enquanto dirigia de volta para casa teve a funesta sensação de que não estava sozinha no carro, olhou pelo espelho retrovisor diversas vezes para o banco de trás e não havia ninguém lá. Enquanto esperava o sinal abrir para prosseguir a viagem, procurou um cd para acalmar e escolheu master of puppets do Metallica, ligou o som e deixou a mente viajar nas ondas do som perfeito da banda. Talvez por esse simples detalhe ela não tenha percebido um estranho amassado no banco esquerdo de trás, um amassado como se alguém estivesse ali também curtindo a carona e o som.
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Chegando em casa tomou uma ducha demorada e pensou em todos os detalhes daquele estranho dia. Porém, uma certeza mais profunda a incomodava bastante. Desde que saiu do cemitério sentiu como se estivesse acompanhada de uma presença bem sinistra. Ainda no chuveiro olhava vez ou outra para a porta entreaberta como se no intimo soubesse que alguém estava ali olhando para ela. E logo essa suspeita se tornou realidade quando, pelo canto do olho, viu um vulto passar rapidamente pelo corredor.

Desligou o chuveiro com pressa mal retirando o sabão do corpo. Pegou uma toalha e com um esfregão de privadas na mão saiu no corredor. Olhou para os dois lados e não havia ninguém. Suspirou aliviada, tinha sido apenas sua imaginação. Ia retornar para o chuveiro quando algo pesado caiu no chão da sala. Barbara gritou. Havia alguém em sua casa.

Com medo e por precaução decidiu caminhar devagar, nas pontas dos pés, em direção a sala com o esfregão em punho. Chegando a sala não havia ninguém, nada estava fora do local e ela começou a achar que estava ficando louca. Súbito, a televisão liga sozinha, com o susto Barbara cai de costas batendo a nuca na quina da mesinha de canto. Sente que vai perder os sentidos, mas se esforça para não desmaiar. Senta-se no chão e leva a mão esquerda ao machucado. Doía e sangrava muito. Na tela da TV se desenrolava o jornal da noite. Barbara olhou para os pés e percebeu que tinha pisado no controle e por isso a televisão estava ligada.

A dor na cabeça era quase insuportável e ela começava a chorar. Com esforço conseguiu se levantar e sentar no sofá. Encostou a cabeça no braço quente e morno que se oferecia para ela e fechou os olhos. Um braço? Viro-se na mesma da hora empurrando a dona do braço que para seu mais profundo pavor era a senhora que costumava ver nos funerais. Levantou-se do sofá e encostou-se na parede ao lado da televisão, chorava muito e gemia mal conseguindo articular uma palavra enquanto a senhora apenas a observava sorridente.

- Por... Por deus quem é você?

- Que estranho pensei que já me conhecia – respondeu a senhora levantando-se e caminhando na direção de Barbara. – desculpe os meus modos senhorita a muito tempo não tenho alguém “vivo” para conversar.

- Vivo? – perguntou Barbara que lutava em vão tentando afastar a senhora que a abraçava. Então a mesma disse algo bem baixinho em seu ouvido e tudo começou a fazer sentido. – entendo... Mas, por que agora?

- Ora minha querida foi apenas uma dessas fatalidades que ocorrem na vida. – respondeu sorridente a anciã. – agora vamos minha querida tenho outras pessoas para visitar, não se esqueça de que deve seguir sempre em frente.

- Pode me ajudar?

- Mas e claro que posso lhe ajudar – respondeu enquanto ajudava Barbara a se levantar.

- É por ali?

- Sim minha pequena, siga sempre em frente.

Enquanto Barbara caminhava em direção a luz sorriu consigo mesma ao lembrar o que a boa senhora tinha lhe sussurrado ao ouvido.

“Eu sou aquela que vem para todos e agora eu sou a sua morte.”

Mais um conto escrito por: José Brito da Silva Júnior