Em uma das minhas perambulações pelo universo da internet me deparei com esse curioso caso da pobre Guedes. Em uma cidadezinha do interior, conhecida como Cariré, uma jovem se perdeu e morreu na mata. Alguns turistas e moradores locais afirmavam ouvir os pedidos de socorro espectrais da assombração da donzela. A população evita perambular pela floresta.

Uma noite tive a oportunidade de me encontrar com um velho amigo do meu falecido pai, Seu Joaquim. Pedi para ele me falar mais sobre essa lenda urbana. Apesar de se surpreender com meu interesse repentino não fez pergunta alguma e apenas deixou-se levar pelas lembranças. Então começou a narrar para mim a historia da bela Altamira Guedes, a mulher mais bonita da cidade.
Meu jovem - dizia ele com o seu jeito pausado peculiar – lembro-me de Altamira como se fosse ontem. Aquele jeito alegre, despreocupado e às vezes até mesmo arrogante que encantava meio mundo. Ela não era muito alta, tinha os cabelos pretos sempre presos em um rabo de cavalo. Seus olhos azuis combinados com a beleza do seu sorriso davam a seu rosto uma aura de luz. Seu corpo era de uma formosura tal que poderia acordar o pecado no coração do mais puro ser vivente.

Entretanto, a beleza às vezes pode ser tornar uma horrível maldição. E assim foi quando o bando do velho Ananias chegou à cidade. Diziam as más línguas que eles vinham fugidos da capital. Gente ruim mesmo de coração negro endurecido. Mataram sabem-se lá quantos.
O grupo, na verdade um trio dos piores cabras que puder imaginar, era formado por: Ananias o líder, Feitosa o braço direito e Amâncio o matador de crianças. Desses três, depois de Ananias, Amâncio era sem duvida o pior. Tanto que numa dessas brigas de bar Amâncio mandou Ananias para cova e perseguiu Feitosa pelos matos e somente deus sabe como ele escapou, se ele escapou e claro, mas cá entre nós eu acho que o que resta desse infeliz deve estar apodrecendo em alguma vala na mata. 

Nessa época eu era apenas um ajudante na fazenda do Silva, porém, como todos os jovens da cidade eu tinha um amor tremendo pela linda Altamira, e para minha sorte, ela parecia corresponder meu amor. Não raro eu esquecia a compostura e me via olhando fixamente para ela enquanto a mesma passava com um cesto de roupas para lavar em direção ao rio.
Até mesmo fui à capital e comprei um colar bonito para dar a ela. O desgosto foi terrível quando voltei pra casa, pois descobri que Amâncio a roubou para si e ela parecia tão feliz. Eu fui um tolo. Não conseguia ver a tristeza por trás do sorriso falso que ela levava no rosto toda vez que os via juntos pela cidade. Esse detalhe que vou lhe contar se eu mesmo o soubesse na época com certeza tudo poderia ter sido diferente.
 
Depois que ela morreu, um compadre me disse que na realidade ela tinha sido forçada a ficar com ele depois que o bandido ameaçou a vida de toda a sua família. Mas o que eu poderia ter feito nessa época? Não sei, entretanto meu jovem, a sorte de Amâncio foi traçada na noite em que, voltando de uma bebedeira daquelas, o vagabundo a espancou violentamente e a perseguiu pelas ruas.
Muitos a viram correr pelas ruas à noite implorando por socorro, mas com a reputação do agressor preferiram se fechar em suas casas com medo. Nessa noite, um negrinho amigo nosso veio bater na minha porta desesperado. Contou-me que viu Altamira correndo pela rua em pânico e machucada com o maldito diabo atrás dela segurando uma peixeira. Morto de bêbado o traste ruim.

Depois de o que o rapazinho tinha para me dizer lhe dei um trocado e fui pegar meu rifle. Corri feito doido pela rua chamando um amigo aqui e outro ali e então em pouco tempo já éramos um grupo bem armado. Agora restava mesmo era saber onde eles tinham se metido. A rua onde ocorreu a confusão estava deserta e silenciosa. Ficamos ali algum tempo matutando sobre o paradeiro da jovem.
Então uma certeza horripilante chicoteou meu espírito. Lembrei-me que aquela rua dava direito pra uma mata fechada e perigosa da região cheia de mito. Falei com o grupo, mas poucos tiveram a coragem de me acompanhar e esses poucos somente vieram para não ficarem com sua reputação de “machos” abalada.
Dentro de pouco tempo chegamos à entrada da floresta. Vendo o medo nos olhos dos companheiros e sabendo que a garota precisaria de mim, impulsionado por algo que somente poderia ser amor, pedi para que ficassem e vigiassem e me meti mata adentro com um profundo pavor como companhia.
Não sei te dizer quanto tempo caminhei naquela mata confusa. Eu tinha a sensação de andar em círculos e já pensava em desistir quando ouvi um grito de socorro, era ela! Um grito, após o outro. O desgraçado havia pegado ela eu tinha certeza. Senti o ódio invadir meu ser e fui com o rifle já preparado em direção ao som. Súbito ouvi outro grito, um grito de horror profundo que eu nunca imaginei que pudesse sair de uma garganta humana.

Foi Amâncio quem gritou. Eu o encontrei numa clareira. Derrubei-o no chão com um golpe de coronha do rifle e então examinei seu rosto sob a luz do luar. Deus, nesse momento a já incomoda sensação de pavor se tornou um medo tão intenso que senti meus joelhos enfraquecendo e minha fé me abandonar. Eu ia desmaiar, pois o que vi ali não poderia ter sido feito por nenhuma mão humana. O estado de seu rosto contorcido, a falta dos olhos...

Então ouvi novamente o pedido de socorro de Altamira, dessa vez, seguido por inúmeros outros ruídos abomináveis. Eram risadas, guinchos, urros, gritos de pavor e outros sons que minha condição humana tornava incapaz de reconhecer ou explicar. No momento seguinte tudo que lembro e de correr mata adentro em direção à saída daquela algazarra dos infernos. Nunca mais voltei aquele maldito local.
O que ocorreu depois me foi apagado da memória por ação divina com certeza. Amigos disseram que me encontraram alucinado pelas ruas, balbuciando coisas ininteligíveis, porém, nada de Altamira. Aquela mata amaldiçoada seria para sempre o seu tumulo.

Alguns dias depois, como ela não aparecia, fizeram uma cruz com o nome dela gravado e colocaram na entrada da mata. Ninguém nunca se atreveu a procurar seu corpo, mas dizem algumas pessoas que por algum motivo desconhecido ela ainda vive na mata e que em horas esquecidas da madrugada podem ouvir seu apelo desesperado por socorro.
Já eu tenho outra teoria. Aquela que pede socorro não é minha Altamira e sim os demônios que a devoraram. Eles sempre estiveram lá desde antes do primeiro ser humano e sempre estarão até devorarem o ultimo ou então deus descer dos céus com seus anjos.

Depois desse incrível conto me despedi do senhor tristonho e fui dormir em meu quarto. Nessa noite sonhei com Guedes e a verdade sobre a floresta maldita. Uma verdade tão terrível que minha mente não foi capaz de guardar e tudo que restou do sonho foram à imagem do semblante triste e choroso da pobre Altamira procurando o caminho de volta para casa, de volta para seu amor.

Conto Criado Por José Brito Silva Junior

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