Nascer no cenário "undeground" do hardcore brasileiro requer muita paixão pela música. Poucas bandas conseguiram sobreviver nesse cenário, pois muitas desistem por falta de grana, outras por falta de oportunidade... motivos não faltam. Porém, algumas não apenas sobreviveram, como atingiram um público maior, o que para muitos músicos 15 anos atrás seria impossível.

Luringa

A banda de harcore Dead Fish


O Dead Fish é a banda que melhor representa essa vitória contra as dificuldades, para quem segue no caminho do hardcore. Naturais de Vitória, Espírito Santo, os integrantes da banda conseguiram em 18 anos formar um público cativo, que se renova ano após ano. Depois de conquistar fãs no cenário underground com discos como "Sonho Médio" (1999) e "Afasia" (2001), o disco "Zero e Um", de 2004, foi o divisor de águas na história da banda.

Dead Fish ficou conhecida em todo o país e por um público que antes sequer tinha ouvido falar no nome da banda. Dois discos depois (um deles ao vivo, lançado com a chancela da MTV), a banda se transforma num quarteto e lança "Contra Todos", gravação que rebusca suas raízes no hardcore. Para falar um pouco sobre este último lançamento e a carreira da banda, conversamos com o vocalista Rodrigo, que em um bate-papo descontraído, falou sobre os melhores momentos do Dead Fish em 18 anos de estrada.



Rodrigo, o Dead Fish lança seu sexto disco, em seu 18° ano de estrada, com um público fiel e um reconhecimento unânime como uma das principais (senão a principal) banda de hardcore brasileira. Vocês lidam bem com esse fardo ou para vocês ainda existe aquele sentimento de banda em início de carreira, a cada disco lançado?


Primeiramente, a gente não leva isso tão a sério, até porque a gente conhece outras bandas que talvez estejam até mais “linkadas” com esse título (de principal banda de hardcore do cenário brasileiro).

E segundo, que apesar de a gente fazer o ritmo hardcore, a gente também quer fazer algo que nos agrade. Então é sempre um começo, né? A gente pensa: “Vamos fazer um CD mais espontâneo, tocar no limite, tentar achar umas novas fronteiras”, como aconteceu no “Um Homem Só” (disco lançado em 2006), o que eu acho que não funcionou tanto, mas isso não é uma unanimidade dentro da banda.

Não levamos a sério esse título, vai ver que é por isso essa longevidade da banda, o amor que a gente ainda sente de estar no palco.



A partir de Contra Todos, mais recente CD da banda, o Dead Fish é um quarteto. A nova formação influenciou muito na sonoridade da banda?


Luringa

A banda Dead Fish


Há uma mudança. É uma responsabilidade a mais para cada instrumentista. Acho que é mais olho no olho, eu gosto mais. Nunca pensei que ia gostar tanto da banda ser um quarteto porque acho que ganhamos em vitalidade, em rispidez.

Talvez antes, a gente fosse uma banda mais próxima do metal, como em “Um Homem Só”, e hoje a gente seja uma banda que está mais próxima de sua raiz, que é o hardcore mesmo.



Qual das letras representa melhor o clima desse disco? Seria a faixa-título Contra Todos ou você gostaria de citar mais alguma?


Gosto bastante de Contra Todos. Acho que ela esclarece bem e confunde bem. Mas a letra que eu mais gosto das que escrevi foi a Autonomia. Além de trazer um horizonte novo para a banda, para mim traz alguma coisa. Uma letra menos subjetiva e acho que acertei bem a mão nela.



A banda também é muito conhecida pelas suas letras, que fogem de clichês românticos, e tem conteúdo político e críticas à sociedade. Você acredita que o público da banda, assim como seus integrantes, também tem posição politicamente correta e é bem informado sobre os problemas do país e do mundo?


Não e nem é o nosso objetivo ser o professor de ninguém. Ter letras politizadas na banda sempre foi um mote meu e vendo a política do dia a dia como se fosse uma coisa normal, como é uma coisa normal.

Existiram tempos, talvez no passado, que garotos seguiam mais o que a gente falava, mas a gente teve CD's muito sui generis de letras. A gente foi até bastante contraditório durante um tempo.

Então, claro que esse não é nosso objetivo. Claro que tem gente que vai ao show, só para ouvir a música. Também tem gente que vai pra ouvir a letra, pra sentir algo mais além da música.



Como letrista, você sentiu alguma mudança no Rodrigo em início de carreira, para o Rodrigo de hoje?


Eu acho que sempre quis fazer letras com mensagem, ponto. Isso não mudou. Mas, necessariamente, a mensagem mudou. Não é saudável você querer ser igual com 17 e 36 anos, não é justo com você mesmo.



A banda, desde de seu início, consegue manter sua sonoridade, também marca registrada. Isso fica ainda mais claro, hoje em dia, uma vez que muitas bandas do cenário nacional e internacional mudaram seu ritmo com o passar dos anos. Vocês chegaram a pensar ou ainda pensam em fazer um disco diferente de tudo que já fizeram antes?


Luringa

O quarteto capixaba Dead Fish


Eu sempre penso nisso. Mas sempre acabei priorizando o Dead Fish. A gente até fez o projeto Peixe Morto, lá atrás, pensando em fazer algo diferente, que não necessariamente foi tão diferente.

Mas, os meninos da banda também estão envolvidos com projetos diferentes. Eu também gostaria de fazer alguma coisa diferente, mas não sei muito bem, talvez por ser o mais preguiçoso da banda (risos).



Quais foram as influências e referências musicais em seu início de carreira?


Eu citaria primeiro quatro pilares: 7 Seconds, Dead Kennedys, Fugazi e Bad Religion. E isso era ponto comum na banda.

Lá no segundo, terceiro ano da banda, também ouvíamos coisas de quando éramos mais novos, como Suicidal Tendencies e Misfits.

Eu ouvia muito rap no fim dos anos 80, começo dos anos 90. Public Enemy, Boogie Down Productions, que veio a acrescentar mais como idéias, do que como sonoridade.



E em Contra Todos, os fãs podem ouvir influências de outras bandas no som de vocês?


A meu ver, tem alguma coisa das bandas sul-americanas, como a Attaque 77, coisas de Mars Volta. Coisas também de Neil Young.

Em Contra Todos mesmo, os caras até me sacaneiam, dizendo: “Ela é muito nossa “Neil Young”. Eu ouvi muito Neil Young. Gosto da forma como ele escreve.



São quase 20 anos de carreira e com certeza muitas histórias pra contar. Você se lembra de alguma situação inusitada que a banda esteve envolvida nesse tempo?


Luringa

Rodrigo, vocalista da banda Dead Fish


Tem várias. Se eu começar a escrever aqui pra você, vou escrever um livro (risos).

Certa vez, fomos ao nordeste, em turnê. Estávamos na estrada e aí veio a polícia rodoviária. E era um hábito deles cobrarem, mesmo que não tivesse nada errado. E aí a gente ficou apreensivo, pensando o que eles poderiam fazer com a gente.

Então, subiu um cara e olhou para todos nós e disse: “Vocês são o Dead Fish?”. Aí, eu respondi: “Somos sim”. Então ele disse: “Adoro a banda de vocês, eu e meus amigos lá na academia, academia de polícia”. Eu olhei para os caras da banda e falei “Pô que legal”.

E depois falei que estávamos lançando um CD novo e perguntamos se ele queria um. O policial respondeu: “Nossa! O CD novo. Então tá, vai aí, vai aí”. Virou uma piada da banda, pois nos tornamos até som da polícia.



E em sua memória, tem algum show marcante, daquele que você lembra de tempos em tempos?


Teve uma vez em 2002, 2003, em Vitória (ES), fomos a um programa que só tocavam bandas capixabas. E eu lembro que a gente tocou em um circo que ficava próximo de uma praia.

Tocamos com os Autoramas e lembro que começou a chover, foi um show homérico. Todos antigos integrantes da banda estavam, tinha uma energia muito boa.

Acabando o show, começou a chover mais forte e o circo começou a encher de água. Então no fim do show, parecia uma piscina. Shows no Hangar (em São Paulo) também são inesquecíveis, Circo Voador também é muito bom.



O Dead Fish tem um acesso de mais de 60 mil fãs no Vagalume. Deixe um recado para todos eles!


Não quero ser o professor de ninguém, mas só quero dizer uma coisa: façam diferente do que a gente fez, aproveitem o que a minha geração conseguiu a duras penas, não paguem pra tocar, não sejam idiotas.

Amem a música, gostem do que vocês fazem e sejam positivos, pois as coisas parecem muito ruins, mas uma hora, com a ajuda de todo mundo, algo de bom vai acontecer.

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